Afetos e Revolta: Como Construir Nossa Potência Humana
Nessa Primavera, faço uma Carta Aberta à leitora-seguidora Flor
No fim de semana aconteceu o equinócio, marcando o despertar da Primavera, com suas flores. Por sincronicidade, uma leitora-seguidora com nome de Flor também me aflorou sentimentos.
Eu li o seu comentário, e ele me afetou. Muitas coisas me afetam diariamente, mas senti que o seu comentário era um desabafo de alguém que deseja uma companheira de luta, naquilo que você chamou de revolta. Quero, nestas linhas, demonstrar que, mesmo que você não consiga enxergar, eu estou ao seu lado.
Há alguns anos, assisti a um famoso filme nacional chamado Olga, e uma cena me marcou profundamente. Essa cena está implícita no meu trabalho. Quando Olga foi presa e deportada para campos de concentração nazistas, mesmo sabendo que muito em breve ela e suas companheiras morreriam, foi tomada por um sentimento de dignidade. Ao ver sua ala completamente suja, repleta de piolhos e imundície, percebeu que aquilo não era um espaço para seres humanos. Como boa líder que sempre foi, convocou suas companheiras de ala para uma grande faxina. Ela disse as seguintes palavras:
"Vamos limpar isso aqui. Se não cuidarmos de nós mesmas, os nazistas farão de nós o que quiserem. Eles pensam que não sentimos mais nada, que não somos nada. Sem passado, sem presente, sem futuro. Estamos todas no mesmo barco. Se quisermos ser tratadas com dignidade, devemos nos comportar como seres humanos e não como animais. Eu não vou aceitar isso. Vocês vão?"
Eu te pergunto, Flor: qual afeto levou Olga a fazer uma faxina dentro de um campo de concentração, onde ela sabia que iria morrer?
É preciso muita coragem e muito auto-amor para se tratar com dignidade diante de um mundo social, político e econômico que constantemente produz crises, que baixam nossa potência de agir e nos colocam em estado de desamparo. O sistema que você critica, acredito eu, é expert em produzir desamparados. A manipulação afetiva é a estratégia política mais antiga de todas. Eles nos querem impotentes, porque apenas pessoas impotentes e desamparadas podem ser, como ovelhinhas, subjugadas e exploradas.
A filosofia da mente, conforme ensinada por Espinosa, me mostrou a relação entre afetos tristes, memória e potência de agir. Flor, eu sou uma mulher extremamente empática, afetada por natureza. Durante anos da minha vida, fui tomada por afetos tristes como a pena, a raiva e o ressentimento. Sempre que percebo a realidade social e política, que constantemente produz pessoas desamparadas, eu choro, Flor. Dói-me profundamente ver como nosso sistema é perverso.
A imensa maioria das pessoas não tem recursos afetivos, intelectuais ou habilidades para lidar com as crises que são constantemente produzidas. Inúmeras vezes, ao reconhecer essa realidade, fui tomada por uma tristeza profunda. Eu não via saída. Durante muitos anos, tomei para mim responsabilidades que não eram minhas e tentava, nos meus delírios, salvar o mundo. Precisei de muitos baques e frustrações para perceber minha impotência diante daquilo que não podia controlar.
Na minha jornada, descobri que existia uma pessoinha dentro de mim que estava desamparada e que só eu podia salvar: a criança que fui.
Se você me perguntar qual foi a maior conquista da minha vida, Flor, sem hesitar eu te direi que foi aprender a lidar com meu próprio desamparo. Descobri em mim uma força interior muito grande para construir uma realidade que estava ao meu alcance. Infelizmente, não conseguirei ajudar todas as pessoas que sonhava em ajudar. Mas aquelas que desejam seguir comigo nessa jornada de filosofia prática, certamente serão capazes de perceber o poder da autorresponsabilidade e dos afetos ativos.
Eu continuo sendo idealista, mas desta vez não sou nem ingênua, tampouco otimista. Sou como o Ariano Suassuna se definia: uma realista esperançosa. Vejo o mundo de olhos bem abertos, e isso, como você deve saber, é extremamente difícil e, por vezes, desesperador. No entanto, sou esperançosa porque acredito no potencial criativo e realizador do ser humano. Acredito, com tudo o que há de mais valioso nesta vida, no poder dos afetos para a construção de novas realidades.
Pude comprovar, em meu corpo, o que Espinosa demonstrou: os afetos ativos nos conduzem a um estado de potência realizadora e autêntica.
Essa é a minha luta. Minha luta não é mais produzida por afetos tristes, mas pelo amor, pela esperança e pelo entusiasmo. Se quisermos um mundo mais digno, deveremos produzir nossa dignidade com as nossas próprias mãos. Que nenhum sistema perverso nos faça esquecer que somos seres humanos. Conquistar nossa potência humana é nosso maior dever e, sem dúvidas, será a melhor coisa que faremos por nós.
Com amor e afetos ativos,
Jéssica Petit
Indicação de filme: A vida é Bela (Youtube)
filme : A VIDA É BELA.
Esse filme fala do cuidado com que o pai, por amor à infância do filho, criou uma outra realidade dentro do campo de concentração através de histórias e belezas para que aquele período fosse o menos traumático possível para o seu filho. O filme é uma celebração do amor, da esperança e da capacidade de encontrar beleza mesmo em meio à barbárie.
Indicação de Música: Paciência (Lenine)
Na última semana tivemos mais uma edição do Chá com Afetos, com disponibilização por 24 horas no instagram. o tema foi: enfrentando a Realidade com Spinoza, Platão e Schopenhauer.
Mas na comunidade foi disponibilizado um LINK EXCLUSIVO para que todos pudessem assistir com mais calma. Essa é uma das vantagens de fazer parte da comunidade: você tem acesso a avisos, promoções, aulas secretas, links com aulas do instagram que não tem reprise. A comunidade é silenciosa e seus dados estão protegidos.
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Até a próxima,
Com amor e afetos ativos,
Jéssica
Obrigada pela reflexão. Me tocou profundamente, segurei as lágrimas. Afetos partilhados.
Que texto e quantas conexões! Obrigada Pétit!